O GOVERNO DE JOÃO PESSOA
João Pessoa - um governante contra as oligarquias
Capítulo mais importante da História da Paraíba, a Revolução de 30 vinculou-se de tal maneira à ação político-administrativa do presidente João Pessoa que este terminou como ator histórico cuja morte precipitou sua deflagração.
Sobrinho de Epitácio e Ministro do Supremo Tribunal Militar, onde suas decisões revelavam-se severas para com oficiais superiores e indulgentes com subalternos e praças de pré, João Pessoa Cavalcanti de Albuquerque fazia-se, no Rio de Janeiro onde residia, importante peça da oligarquia epitacista. Sua função consistia em representar o tio junto aos poderes da República, intermediando verbas e discutindo providências da alçada das autoridades paraibanas. Sua correspondência revela-o atualizadíssimo com o que se passava no estado e consciente da problemática paraibana.
A indicação de João Pessoa para Presidência do Estado, unilateralmente formulada por Epitácio, verificou-se diante de (nova) crise da oligarquia epitacista. Esta estivera ameaçada em 1924, na sucessão de Solon de Lucena. Então, só a muito custo o candidato João Suassuna obteve assentimento do governo federal.
Uma vez no poder, Suassuna não foi bem sucedido. Administrativamente, o antigo jornalista, diretor do Tesouro e deputado federal, favoreceu a cultura algodoeira e valeu-se da prefeitura da capital para renovação das posturas desta, mas seu governo praticamente reduziu-se a isso.
Com pouca disposição para a coisa pública, passando mais tempo fora do palácio que neste, Suassuna representou o coronelato sertanejo no poder. Em seu governo, os chefes políticos tiveram as mãos inteiramente livres, com o que, na prática, organizou-se estrutura paralela de poder, superposta ao estado. Graves conflitos tiveram lugar em Ingá, Areia (Remigio), Catolé do Rocha, Misericórdia (atual Itaporanga), Mamanguape (Rio Tinto) e Teixeira. Nesses lugares a oposição não dispunha de garantias porque o governo atuava como parte nas disputas locais. A Justiça, também partidária, curvava-se aos poderosos. Favorecido pela leniência da presidência do estado, o cangaço ressurgiu com ímpeto e as queixas começaram a avolumar-se junto ao ministro João Pessoa, no Rio de Janeiro e Embaixador Epitácio Pessoa na Europa.
Mesmo assim, Suassuna começou a articular a própria sucessão. Da indicação de seu chefe de polícia Júlio Lyra e coronéis José Pereira e José Queiroga - a chamada chapa dos três Jotas para as presidências, primeira e segunda vice-presidências do estado, transparecia a intenção de montar esquema próprio, sertanista.
Epitácio seria figura simbólica e não foi consultado. O patriarca da oligarquia, então, decidiu intervir. Com a escolha do sobrinho tornava-se claro que a situação havia chegado a ponto extremo. No Rio, João Pessoa confessou a José Américo, convidado para a secretaria geral que iria para a Paraíba "dar uma vassourada".
Esta começou com discurso de posse a 22 de outubro de 1928. João Pessoa ameaçou céus e terras. Declarou que desejava assegurar garantias a todos e que levaria a polícia a vasculhar propriedades à procura de armas que abasteciam o cangaço. Muitos coronéis do epitacismo eram notórios coiteiros e engoliram em seco a advertência.
No exercício do governo, Pessoa revelou-se rápido e inflexível. Drásticas transferências alcançaram as mesas de rendas para retirá-las do controle dos potentados locais - ninguém escapava porque a lei era para todos. Desarmaram-se os proprietários e caminhões carregados de armas começaram a fazer o percurso entre pontos críticos do interior e a capital. Promotores de justiça comprometidos com o coronelato foram demitidos e Juízes de Direito postos em avulsão. A polícia foi reformulada, subordinando-se à Presidência do Estado. Jovens bacharéis foram nomeados para as delegacias de polícia, à margem de qualquer interferência política. Os prefeitos municipais, escolhidos pelo Presidente do Estado, passaram a dispor de mandato de quatro anos, proibida a recondução. Eleições para os conselhos municipais realizaram-se a trinta e um de dezembro de 1928 e onde a oposição triunfou, como em Sousa e teve boa votação na capital, não só seus mandatos foram respeitados como o governo dela se aproximou. Uma terceira força, o Partido Democrata de tendências urbanas e reformistas, principiou a adquirir espaço.
O curioso é que as reformas de João Pessoa voltavam-se contra o epitacismo que formalmente, constituía sua base de sustentação. Ocorre que não poderia deixar de ser assim. Os epitacistas encontravam-se no poder há treze anos e pactuavam com os desacertos que infelicitavam a Paraíba. Da Europa, preocupado, Epitácio escreveu, recomendando cautela. Populista, o sobrinho reformulou seus apoios, ligando-se diretamente a grupos urbanos de comerciantes, mulheres, estudantes e funcionários públicos e seguiu em frente.
Institucionalmente, sua orientação consistia em estabelecer a supremacia do Estado a que os coronéis se deveriam subordinar, com as funções de segurança e arrecadação vedadas a interferências político-partidárias. Nesse sentido, a orientação pessoista foi coerente. Arrecadação, segurança, obras públicas, crédito bancário, justiça e administração municipal foram recapturados ao coronelato e transferidos para o interior do Estado. Foram criadas quatro novas secretarias para exercício dessas funções. Os campos de experimentação algodoeiros, que funcionavam dentro das propriedades dos coronéis, passaram a ser conveniados com as prefeituras.
Na área financeira, João Pessoa lançou mão de agressiva política tributária - a dos impostos de barreira - para fazer com que as mercadorias que, ajudadas pelo contrabando, escoavam para as praças vizinhas, passassem a ser exportadas pelo porto de Cabedelo. Alíquotas elevadas incidiam sobre as mercadorias, quando comercializadas pelo sertão, mas essas taxas se reduziam, quando as operações se verificavam pelo litoral. Na imagem de um analista, a Paraíba viu-se cercada por muralha chinesa com a única porta do porto de Cabedelo.
As rendas públicas elevaram-se e João Pessoa pôde empreender realizações concentradas, sobretudo na capital. Era evidente a intenção de superar o isolamento desta, assim como a desaceleração do litoral.
Em dois anos de governo, João Pessoa restaurou a economia paraibana, praticamente falida, reorganizou o Banco do Estado, estimulou a agricultura e a indústria, abriu a Avenida Epitácio Pessoa, na Capital e várias estradas dentro do Estado, construiu pontes e aeródromos, remodelou o Liceu Paraibano, iniciou a reforma do Palácio da Redenção e a construção do Paraíba Palace, do Pavilhão do Chá, do Porto de Cabedelo, construiu o Palácio das Secretarias e a Praça Antenor Navarro, criou o Centro Educativo de Pindobal, entre outras obras.
Os beneficiários da antiga desarticulação econômica do Estado, porém reagiram. A Associação Comercial de Fortaleza, que controlava a produção paraibana do alto sertão, subscreveu moção de repúdio e sua congênere de Pernambuco levantou a possibilidade de intervenção federal na Paraíba. Os protestos mais veementes partiram do Recife, onde o grupo mercantil dos Pessoa de Queiroz contestou a orientação pessoista. Eram primos do governante paraibano, julgavam-se preteridos pelo tio Epitácio Pessoa e por isso mesmo, a polêmica azedou. Dispunham de jornal de larga circulação - o Jornal do Commercio do Recife - que tachou o governo paraibano de cupim tributário. A União respondeu no mesmo tom.
Na Guerra Tributária, travada de março a julho de 1929, pela Imprensa, já se esboçava o quadro da futura guerra civil de Princesa. Isto porque, enquanto João Pessoa contava com apoios na capital e centros urbanos, tinha contra si a burguesia compradora do porto da Recife, a que se ligavam os grandes proprietários de algodão e cana-de-açúcar. Entre esses destacavam-se o coronel José Pereira Lima, como mais influente chefe político do sertão e eminência parda do governo Suassuna e os Ribeiro Coutinho da várzea do Paraíba, cujos açúcar e gado a presidência do estado desejava taxados.
Eleições nacionais, guerra civil e Revolução de 30
O enlace de João Pessoa com a Revolução de 30 principiou em julho de 1929, quando da abertura da sucessão nacional. Rompendo a chamada aliança café-com-leite, por meio da qual São Paulo e Minas se revezavam no exercício da Presidência da República, o presidente Washington Luiz, paulista, fixou-se na candidatura de outro paulista de nome Júlio Prestes. Com este formaram dezessete Estados. A Paraíba foi esquecida, mas quando consultada, João Pessoa atendeu recomendação de Epitácio para que o sobrinho não se fiasse nos mineiros, mas se esses, porventura levantassem candidato de outro Estado a Paraíba deveria acompanhá-las.
Ora, o Presidente mineiro Antônio Carlos estava articulando a candidatura de Getúlio Vargas, presidente do Rio Grande do Sul e ex-ministro da Fazenda de Washington Luiz. A 29 de julho de 1929, João Pessoa resolveu apoiar Vargas. Era em relação ao governo federal, o Négo. A expressão não é autêntica, mas fidedigna. Quer dizer, não há como se pensar num telegrama - Négo! - mas o governante paraibano agiu como se assim houvesse procedido. Constituía-se, em oposição à candidatura oficial, a Aliança Liberal composta dos Estados de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba. João Pessoa seria escolhido candidato a vice-presidente da República na chapa aliancista.
Não tardou a repercussão desses acontecimentos sobre a política interna da Paraíba. A reação do Catete consistiu em hostilizar o governo paraibano, através da burocracia federal do Estado. Dívida contraída perante o Banco do Brasil foi imediatamente cobrada... e paga... Oficiais do exército, com que João Pessoa desejava contar para o comando da polícia não foram liberados. Alfândega, Correios, Telégrafos, Procuradoria da República e Juizado Federal, Obras contra as Secas, Delegacia Fiscal - todas essas repartições passaram a ser ostensivamente utilizadas contra o governo estadual. Os liberais foram delas excluídos para que prevalecessem as indicações da oposição.
Esta era, até então, muito pequena na Paraíba. Tratava-se do antigo Partido Republicano Conservador (PRC), sob a chefia do desembargador Heráclito Cavalcante, que até esses acontecimentos se aproximara de João Pessoa. Nas eleições do período, o PRC nunca elegeu qualquer representante, mas sua importância cresceu em função do suporte do governo federal. As ações deste na Paraíba, em termos de estradas, açudes e porto de Cabedelo, passaram a ser agenciadas pela Coligação Republicana da Paraíba cujo chefe, desembargador Heráclito, foi recebido por Washington Luiz. O Partido Republicano da Paraíba (de João Pessoa) viu-se desafiado no próprio território. A única exceção residiu no Serviço de Defesa do Algodão onde o agrônomo Alpheu Domingues prosseguiu prestando excelentes serviços ao governo paraibano. No algodão de que a Paraíba era o primeiro produtor nacional residia a chave da questão.
As eleições para Presidência da República, Senado Federal e Câmara dos Deputados estavam marcadas para primeiro de março de 1930 e registraram campanha muito agitada na Paraíba.
Paralisaram-se as obras que o governo do estado considerava fundamentais - porto de Cabedelo e estrada de ferro de penetração - o que motivou protestos da imprensa liberal. Esta, exaltada, insuflava a opinião pública contra os representantes do governo federal e seguidores da chapa Júlio Prestes-Vital Soares que freqüentemente solicitavam garantias ao 22° Batalhão de Caçadores. O comando deste também experimentou mudanças para atender à nova situação. Era visível o desencontro entre autoridades federais e estaduais. Entre essas últimas não tardou a se constituir grupo que, levando a autonomia do Estado às últimas conseqüências, pregava a revolução. Inicialmente, João Pessoa não queria nem ouvir falar nesta. Aceitou-a mais tarde, pressionado pelas circunstancias.
Às vésperas do pleito, a dezesseis de fevereiro, João Pessoa convocou a Comissão do PRP para composição da chapa de senador e deputados federais. Sua idéia consistia em renová-la, inteiramente, o que significava o sacrifício da candidatura de João Suassuna a deputado federal. Pessoa, todavia, preservou um primo, Carlos Pessoa, mantido na chapa. Conforme auxiliares, o presidente, já rompido com um ramo da família - os Pessoa de Queiroz - não queria perder o apoio do outro, os Pessoa de Umbuzeiro, sua terra natal.
Este fato representou o pretexto para ruptura do coronelato governista com a Presidência do Estado. João Pessoa encontrava-se em excursão de propaganda política pelo interior onde, em Princesa Isabel, a recepção, a cargo do ex-deputado José Pereira, fez-se sintomaticamente fria. Pereira ouviu em silêncio o sacrifício do amigo Suassuna e o presidente recomendou à polícia que controlasse a situação no município. Os dois adversários mediam-se para luta que não tardaria.
João Pessoa ainda não havia regressado à capital quando José Pereira lhe enviou veemente telegrama de rompimento. A mensagem aludia às garantias que seriam oferecidas a seus correligionários e a Presidência respondeu ao mesmo tom. Apressadamente, a Coligação Republicana da Paraíba reformulou a chapa de deputados federais nela incluindo candidatos marginalizados pelo PRP - entre eles João Suassuna e Flávio Ribeiro, potentados do sertão e várzea do Paraíba. A refrega iria travar-se em todos os níveis.
Ato continuo, José Pereira organizou sua gente e marchou sobre Teixeira, reduto dos Dantas, seus aliados. O destacamento policial de Princesa retirou-se para Piancó, enquanto, pelo outro lado, formação de polícia precipitava-se sobre Teixeira. Ambos os lados pretextavam garantir as eleições. O choque foi inevitável.
A chamada guerra de Princesa principiou por Teixeira, no dia do pleito para Presidência e vice-presidência da República, senado e deputação federal, a primeiro de março de 30.
Financiados pelos Pessoa de Queiroz e apoiados pelo governo paulista de Júlio Prestes, os partidários do coronel José Pereira mobilizaram aproximadamente dois mil homens, dos quais oitocentos e cinqüenta na primeira linha, em armas. A essa última cifra subia o contingente da Polícia Militar do Estado.
José Pereira Lima era o mais poderoso coronel do sertão da Paraíba pelo qual falava como espécie de primeiro ministro. Vaidoso e simulado, assistira à erosão da autoridade sob o governo João Pessoa. Rico produtor de algodão, economicamente também vinha experimentando perdas. Seu algodão, destinado ao porto do Recife, onde os Pessoa de Queiroz o comercializavam, era exportado sem pagar impostos pelo Estado de Pernambuco. Com a política tributária de João Pessoa, via-se obrigado a sair por Cabedelo por meio de estradas insatisfatórias que só conectavam com a linha férrea em Campina Grande, a mais de trezentos quilômetros de Princesa. Os prejuízos do coronel tornavam-se elevados, o que o levava a secundar as reclamações dos Pessoa de Queiroz.
Vários outros coronéis também pensavam assim, daí porque o movimento de Princesa espalhou-se por Misericórdia, Conceição, Vale do Piancó, Catolé do Rocha, Pombal e Monteiro. Colunas pereiristas incursionaram sobre esses municípios defrontando-se com a polícia. A Secretaria de Segurança estabeleceu quartel-general em Piancó e dividiu suas forças em pequenos grupos para conter os revoltosos. Estes retraíram-se mas a luta chegou a um impasse - os pereiristas não conseguiram conflagrar o sertão para propiciar a intervenção do governo federal, mas os legalistas não lograram tomar Princesa. O ponto máximo da penetração da polícia foi o distrito de Tavares, onde coluna comandada pelo capitão João Costa passou de sitiante a sitiada. Seus integrantes alimentavam-se de milho torrado e bebiam a água pútrida das cacimbas.
Em matéria de organização, os pereiristas sacavam vantagem. Senhor absoluto dos comandados, José Pereira Lima decretou o Território Livre de Princesa que contava com Constituição (sic), jornal, bandeira e hino, tudo preparado no Recife. Do lado legalista, as coisas tornavam-se difíceis. O comando inicial da polícia não correspondia, e a corporação carecia de armas e munições, pois o governo federal recusava-se a fornecê-las. A posição do Presidente da República Washington Luiz era ambígua: o governo federal simpatizava com a rebelião, mas o Presidente que se recusava a apoiar o governo constituído de João Pessoa, proclamava que se o depusessem recorreria ao Exército para repô-lo no poder.
Dispondo de prestígio na capital e centros urbanos, João Pessoa recorreu à obtenção de donativos em armas e balas. Mineiros e gaúchos enviaram alguma coisa, mas a vigilância das autoridades federais na Paraíba dificultava o recebimento do material. Quando Pessoa pediu licença ao governo de Pernambuco para penetrar em seu território, a fim de cercar Princesa pela retaguarda, o governador Estácio Coimbra recusou o pedido. Os governantes do Ceará e Rio Grande do Norte também hostilizavam João Pessoa. O cerco à Paraíba era quase total.
Foi dentro desse quadro que se verificaram as apurações das eleições de primeiro de março. O juiz federal licenciou-se e igualmente o seu substituto, de modo que os trabalhos foram procedidos por elementos ligados à Coligação Republicana da Paraíba. Isso gerou distorções: para Presidente e vice-presidente da República, a chapa Getúlio Vargas-João Pessoa obteve maioria de vinte mil votos, mas seus candidatos ao Senado e Câmara foram derrotados. A Comissão de Reconhecimento do Senado e Câmara Federal confirmou os resultados e os senadores e deputados eleitos, num total de cinco, ficaram com os heraclistas. Sob a liderança de A União, a imprensa pessoista reagiu com vigor, o mesmo acontecendo com os deputados liberais na Câmara dos Deputados no Rio de Janeiro. A representação Paraibana foi taxada de "bancada dos cangaceiros de Princesa".
Reunindo as últimas energias, João Pessoa tentou solução no campo de batalha. Sob a coordenação de José Américo e Irineu Rangel, formaç8es legalistas foram reestruturadas e coluna com duzentos homens, transportada em caminhões, lançou-se ao assalto a Princesa. A incursão resultou em desastre. Em Água Branca, os legalistas foram emboscados, com perda de oitenta soldados e destruição dos veículos. Positivava-se o impasse.
Enquanto isso a conspiração arrefecia no plano nacional. Como o governo federal degolara toda representação paraibana e um terço da mineira, poupando a gaúcha, suspeitava-se de acordo secreto entre o Rio Grande do Sul e o Catete. Em contrapartida, João Pessoa aproximava-se da Revolução. O Tesouro Paraibano encontrava-se esvaziado, mas dois mil contos de réis foram enviados para financiamento do levante contra a República Velha. Sem os gaúchos, todavia, nada seria possível. Entre esses, partidários da revolução a qualquer preço, como Osvaldo Aranha e João Neves, pareciam isolados.
Na Paraíba, o prosseguimento da guerra civil de Princesa e o confronto entre os governos federal e estadual estimulavam ódios que cresciam. Os ressentimentos avolumaram-se quando, na capital, a polícia pretextando apreender armas, invadiu o escritório do advogado João Dantas, de prestigiosa família de Teixeira, cidade por onde começaram as ações armadas. Antes, um irmão de Dantas fora preso e inexplicavelmente remetido para o quartel-general legalista em Piancó.
Filho do coronel sertanejo Franklin Dantas, João Dantas era conhecido pelo ardor com que se dedicava à causa da Coligação Republicana da Paraíba. Considerando insuficiente a ação política, viajava seguidamente entre Recife, Princesa, Natal e Maceió. Não faltava quem enxergasse nesses deslocamentos tentativas de abertura de segunda frente que, partindo do vale do Camaratuba, na fronteira da Paraíba com o Rio Grande do Norte e sob cobertura do governo deste, poderia derrubar João Pessoa.
João Dantas não aceitou passivamente a violação do escritório. De temperamento aguerrido, recorreu ao Jornal do Comércio do Recife para publicação de violentos artigos contra Pessoa. A vinte e dois de julho, A União iniciou o revide, mediante explosiva série de reportagens diárias. Essas continham acusações contra os Dantas e outros dirigentes oposicionistas. A do dia vinte e cinco foi a mais contundente. Nela os Dantas eram considerados responsáveis pela apropriação de verbas federais. Pela ótica da correspondência então divulgada, isso causava divergências nas hostes oposicionistas onde cada chefe procurava apropriar-se de um quinhão dos recursos públicos.
No sábado, vinte e seis de julho, enquanto A União prosseguia divulgação das cartas políticas sobre o malbaratamento dos recursos federais na Paraíba, João Pessoa passou o governo ao primeiro vice-presidente Álvaro de Carvalho e viajou a Recife. Ali, avistou-se com o juiz federal Cunha Melo, com quem combinou medidas em prol da importação de armas para sua polícia. À tardinha, encontrava-se tomando chá, na confeitaria Glória, com dirigentes da Aliança Liberal de Pernambuco, quando foi alvejado à queima-roupa. O autor dos disparos, advogado João Dantas, encontrava-se acompanhado de um cunhado.
Na troca de tiros que se seguiu, o chofer de João Pessoa atingiu Dantas que, ferido, foi capturado. Pessoa foi conduzido a farmácia próxima, onde faleceu. A pregação contra o governo federal, responsabilizado pelo desfecho, começou na mesma hora. Liderava-a o professor e sindicalista Joaquim Pimenta, publicista cearense radicado no Recife que procurava oferecer conteúdo social à Aliança Liberal.
Na capital paraibana, o telegrama da morte de João Pessoa ocasionou enorme comoção. A sirene de A União tocou, convocando a população e imediatamente formaram-se grupos para vingança. Famílias perrepistas viram-se ameaçados e estabelecimentos comerciais depredados. Tiros e bombas de dinamite repetiam-se a curtos intervalos. Vários incêndios foram ateados. Os presos da cadeia pública, sensibilizados com a política de direitos humanos da presidência estadual, saíram às ruas. A Usina São João, dos Ribeiro Coutinho em Santa Rita, esteve na mira da exaltação popular. Autoridades federais e lideranças perrepistas recolheram-se ao quartel do 22° B.C., em busca de proteção. A exaltação alcançou outras cidades paraibanas como Campina Grande onde a família Agra se fez particularmente visada. Em Guarabira, o armazém da firma Vergara foi depredado.
Dois dias depois, o cadáver de João Pessoa foi transferido para a capital paraibana onde era cada vez maior a perda de controle da situação pelas autoridades. Parcialmente reprimida a conspiração revolucionária retomou impulso. Sua bandeira era agora o sacrifício do presidente paraibano. O sepultamento deste, no Rio de Janeiro, motivou discursos inflamados. A revolução passava à ordem do dia.
A luta de Princesa cessou e o substituto de João Pessoa, Álvaro de Carvalho, aproximou-se da guarnição federal para contenção da trama revolucionária. Para tanto, esperava o apoio do 22° Batalhão de Caçadores e seus auxiliares de governo. Em verdade, nem contava com um, nem com outros. O 22° B.C. estava minado por oficiais tenentistas, partidários da Aliança Liberal e da Revolução. Quanto aos secretários de governo, sob a liderança de José Américo e Ademar Vidal eram todos autonomistas, favoráveis à revolução. Isolado, Carvalho deixaria o governo, a quatro de outubro, quando da irrupção do movimento rebelde na Paraíba.
Os setenta dias que transcorreram entre a morte de João Pessoa e a Revolução de 30 constituíram um dos períodos mais dramáticos da História da Paraíba. Como as passeatas, discursos e boletins exaltados se sucedessem, o exército tentou intervir, o que aumentou a tensão. As autoridades federais reagiram, transferindo a sede da região militar e contingentes de todo nordeste para a Paraíba, mas os soldados que foram ocupar Princesa cruzaram a divisa com Pernambuco dando vivas a João Pessoa.
Nas ruas, a população era a lei. Enquanto estudantes e normalistas invadiam as repartições, mulheres e funcionários públicos ocupavam as galerias da Assembléia Legislativa, ovacionando os deputados liberais e apupando os perrepistas. Pronunciamentos arrebatados se sucediam. O nome da capital foi mudado para João Pessoa e o deputado Irenéo Joffily, filho do historiador, fez aprovar moção suspendendo de funções o segundo vice-presidente Júlio Lyra - acusado de participação na morte de João Pessoa - e colocando fora da lei o Presidente da República Washington Luiz. Transformada em Convenção Revolucionária, a Assembléia Legislativa aprovou a mudança da bandeira do Estado e o presidente Álvaro de Carvalho vetou a resolução. A Assembléia revogou o veto e a divergência afastou Carvalho definitivamente, das fileiras revolucionárias.
Quando outubro de 1930 fez seu aparecimento, a Paraíba encontrava-se ocupada por forças federais do Maranhão, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Sergipe e Bahia, estacionadas em Sousa, Santa Luzia, Princesa Isabel, Campina Grande, João Pessoa e Cabedelo. Duas pequenas embarcações da marinha de guerra patrulhavam o Rio Paraíba. Em contrapartida, os revolucionários contavam com a polícia militar, opinião pública (estadual e nacional), grupos armados de civis e quatro tenentes da guarnição federal que a quatro de outubro, levantariam o 22° B.C. O capitão Juarez Távora também se encontrava na Paraíba para chefiar o levante.
Este, que irrompeu na tarde de três de outubro em Porto Alegre, rebentou na madrugada seguinte, na Paraíba. Delegacias de polícia, estradas e comunicações foram controladas pelos revolucionários que, sob o comando do tenente Agildo Barata, tomaram de assalto o quartel do 22° B.C. em Cruz das Armas. O comandante da região militar Lavanère Wanderley, foi mortalmente ferido na operação. Em todo o estado, a guarnição federal transferiu-se para o lado revolucionário, sem maiores problemas, salvo em Sousa, onde o comandante Pedro Ângelo resistiu até a morte.
Na manhã de
quatro de outubro, os jornais já circulavam anunciando a
vitória da Revolução de 30 na Paraíba. Para os acontecimentos
nacionais, isso tornou-se importante porque, irmanados, polícia
da Paraíba e exército constituíram Grupo de Batalhões de
Combate (GBC) que, sufocando resistência legalista em Recife,
estendeu a revolução até a Bahia e Rio de Janeiro. Neste
último, Washington Luiz seria deposto a 24 de outubro,
encerrando-se a República Velha, isto é, a República das
Oligarquias e dos coronéis.
(HISTÓRIA DA
PARAÍBA - Lutas e Resistência - José Octávio)